Às vésperas dos 31 anos do partido, José Eduardo Dutra diz que ele está ‘mais representado’ no governo Dilma do que no do ex-presidente
Ed Ferreira/AE
O presidente do PT, José Eduardo Dutra em entrevista ao 'Estado'
BRASÍLIA - No time dos negociadores políticos escalados pelo governo de Dilma Rousseff, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, coleciona queixas e cobranças de todos os lados, mas afirma que seu partido não tem do que reclamar. "O PT está mais representado no governo da Dilma do que no do Lula do ponto de vista de peso e de importância de ministério", diz ele, numa referência ao espaço ocupado pelos petistas na equipe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Disposto a pôr panos quentes na guerra aberta entre o PT e o PMDB, Dutra observa que todas as siglas têm "grande apetite" por cargos, mas considera "natural" a gulodice. "Sempre haverá conflitos", ameniza.
Prestes a homenagear Lula no aniversário de 31 anos do PT, na quinta-feira, com o título de presidente de honra do partido, Dutra conta que o ex-presidente ajudará a legenda a tirar do papel a reforma política. "Lula vai ser sempre um conselheiro de todos nós."
Quais os principais desafios do PT pós-governo Lula, ao completar 31 anos?
O grande desafio do PT, neste momento em que exerce seu terceiro mandato, com a primeira mulher presidente, é ter a capacidade de influir no governo para aprofundar as mudanças adotadas por Lula. E fazer com que a sociedade e o Congresso se convençam da urgente necessidade da reforma política.
A presidente Dilma pôs entre as prioridades a reforma política, que já havia sido promessa de Lula. O que será diferente agora?
Agora há um sentimento mais arraigado de que, do jeito que está, não dá para continuar. Podemos aprovar um modelo este ano para entrar em vigor só em 2018. Haveria menos resistência, porque em 2018 você não sabe quem vai estar governando, quem vai estar popular ou não.
Quais os pontos essenciais dessa reforma?
Todos os partidos têm de sentar e ver quais os pontos que os unem. É preciso caminhar, por exemplo, para o financiamento público das campanhas. Eu também acho que temos de estar abertos a discutir o voto distrital misto. O modelo que temos hoje está falido.
O financiamento público acaba com o caixa 2 nas campanhas?
Sem dúvida alguma vai contribuir muito para acabar com o caixa 2, porque as campanhas ficarão mais baratas.
O que Lula fará depois de receber o título de presidente de honra do PT? Ajudará na construção desse pacto?
Não podemos prescindir da ação política de Lula, que terá papel importante nessa mobilização. Lula vai ser sempre um conselheiro de todos nós. A única condição que ele impôs é que a gente não o convide para reuniões nos fins de semana.
O sr. é favorável à volta do ex-tesoureiro Delúbio ao PT?
Em 2009, Delúbio retirou (o pedido de refiliação), em nome de um acordo pelo qual ele o reapresentaria mais tarde (após as eleições). Como terei de me posicionar, prefiro não emitir opinião neste momento. Mas não vou ficar em cima do muro. Esse é um assunto que o PT precisa discutir com tranquilidade até porque não existem penas eternas.
Então, o sr. já está concordando com um dos argumentos de Delúbio.
Não é um argumento dele. É uma constatação da sociedade civilizada.
O julgamento dos réus do mensalão está previsto para o segundo semestre. O sr. é favorável à absolvição de José Dirceu e à anistia para ele na Câmara?
Se ele for absolvido, é claro que terá de ser anistiado. Espero que o julgamento (no Supremo Tribunal Federal) seja baseado em provas, e não em questões midiáticas. Não se pode transformar esse julgamento num julgamento do governo Lula. Eu tenho a mais absoluta convicção de que o chamado mensalão - no sentido de pagamento para parlamentares votarem a favor do governo - não existiu. Houve ilegalidades, claro. Caixa 2 também é um crime.
Mas não foi só caixa 2. A denúncia diz que houve também desvio de dinheiro público...
É falsa a tese de que houve dinheiro público nessa operação.
O ex-presidente do PT Ricardo Berzoini lidera um cordão de descontentes com a falta de interlocução no governo Dilma. O que pode ser feito para contornar essa crise?
Eu desconheço essa realidade. Mas é natural que, numa bancada de 88 deputados, como na do PT, você tenha divergências em relação a questões relativas à composição de governo.
Mas o PT não tem, com Dilma, a mesma interlocução que tinha com Lula... Isso é um fato.
Eu sou presidente do PT e tenho interlocução permanente com ela. O PT tem 17 ministros. Está mais representado no governo da Dilma no que no do Lula do ponto de vista de peso e de importância de ministério. O perfil da Dilma é que é diferente. O Lula personifica o PT.
O ex-presidente Lula admitiu a possibilidade de voltar a concorrer em 2014. A expectativa do PT é de que Dilma fique numa espécie de mandato-tampão?
Não é mandato-tampão. A presidente Dilma é o nome natural para disputar a reeleição. Agora, estamos no início do governo e não quero ficar fazendo previsões. Não há dúvida de que Lula continuará sendo um quadro importantíssimo no cenário político nacional.
A montagem do governo Dilma escancarou a briga por cargos entre o PT e o PMDB. Como evitar que a insatisfação tenha troco nas votações do Congresso?
Sempre haverá conflitos. No governo Lula também houve insatisfeitos e problemas no Congresso. Essa é uma dinâmica que será desenvolvida a cada votação e tema polêmico.
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que perdeu o controle sobre Furnas, disse que "quem com ferro fere com ferro será ferido". Segundo ele, desvios na estatal ocorreram na época em que os dirigentes foram indicados pelo PT. Como o sr. responde a essas acusações?
Não vou gastar verbo com Eduardo Cunha. Se há irregularidade é preciso investigar e punir os responsáveis, independentemente de quem indicou.
Aliados reclamam do apetite do PT e dizem que há latifúndio petista no governo. Está havendo falta de habilidade nas negociações pelo fato de a presidente não ter experiência política?
De forma alguma. Todos os partidos têm grande apetite e isso é natural. Quando você nomeia alguém para um cargo público gera dez insatisfeitos e um ingrato.
Quem será o líder da oposição agora? O senador Aécio Neves (PSDB-MG) tem esse perfil?
A oposição tem de encontrar o seu eixo. É importante que isso ocorra logo porque precisamos ter diálogo com a oposição também. Aécio tem toda a capacidade de liderar a oposição. Não sei se ele se disporá a fazê-lo nem se permitirão que isso aconteça.
A seu ver, qual será o futuro do ex-governador José Serra?
Eu acompanho o Serra pelo Twitter e acho que ele está profundamente raivoso. A raiva e a mágoa nunca foram boas conselheiras. O futuro dele vai depender muito da capacidade de administrar esse processo.
O que o sr. diria, hoje, para quem vai receber um salário mínimo de R$ 545, se a proposta do governo for aprovada, enquanto os parlamentares aumentam os seus vencimentos em quase 62%? Dá para viver com isso?
É claro que, se você comparar com o salário que vige no meio político, não dá. Agora, a comparação que tem de ser feita é com o poder aquisitivo do salário mínimo de hoje e o de alguns anos atrás. Vamos lembrar que, há muito tempo, a briga histórica no Brasil era para se ter um mínimo de US$ 100. Hoje, estamos falando de quase US$ 300. Há muita demagogia.
O exercício do poder deixou o PT mais pragmático e até a bandeira da ética foi manchada. O que diferencia hoje o PT dos outros partidos?
Primeiro, a capacidade de organização, de debate e democracia interna. O PT é o único partido que elege sua direção com o voto dos seus filiados. Estamos vendo, claramente, um ponto que mostra a diferença entre nós e o PSDB. Fala-se agora em definir o presidente do PSDB por meio de um abaixo-assinado.
A formação do PT em tendências ainda faz sentido nos dias atuais?
Faz. É um processo que muitas vezes extrapola o limite do razoável, mas tem sido um dos elementos de efervescência do partido. Eu sempre prefiro a disputa entre correntes a caciques ou visões regionais.
Como o sr. define o PT hoje? É um partido de centro? Socialista já não é mais...
O PT é um partido de esquerda e socialista. A questão, hoje, é definir o que é o socialismo. O chamado socialismo real - modelo que vigorou no Leste Europeu - mostrou-se inviável. Mas a luta por justiça social vai continuar existindo. Quando você consegue tirar mais de 20 milhões de pessoas da miséria está dando um passo no sentido da diminuição da desigualdade.